sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

pérolas lunares

His soul swooned slowly as he heard the snow falling faintly through the universe and faintly falling, like the descent of their last end, upon all the living and the dead.
James Joyce 


A lua cai do céu como neve. Leve, solta e tosca. Ou paira, em espiral, como fagulhas de uma lareira de inverno, onde eu e tu nunca existimos. Tudo é imaginação, por isso a lua cai. Despenha-se num campo de papoilas líricas e transforma todas as pétalas em pérolas lunares - cintilantes como as estrelas, esféricas como os planetas.

A lua caiu e levou com ela todos os astros. 
Agora o céu está a meus pés e o abismo sobre a minha cabeça.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

a turbulência das nuvens

A verdade é muito difícil, magoam-se os pés em caminhos de cabras, chega-se lá, aonde é preciso chegar, com eles em sangue, e para quê?
Maria Judite de Carvalho


Pés na terra
Mãos na cintura
Cabeça no ar

Nuvens ternas
desfazem-se nas maças do rosto
como algodão-doce

Nuvens brancas
anseiam ser tecidas
por agulhas de lã

Nuvens oníricas
desejam ser pintadas
com as cores do arco-íris

Sempre quis caminhar sobre as nuvens, mas a sua turbulência faz do caminho do céu um caminho de cabras.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

ataraxia apática

Do nascimento ao falecimento, 
a vida vai-nos ensinando a deixar
 - tudo e todos -
até a própria vida.

Deixar de: 
sorrir, olhar, tocar, falar, pensar, desejar, sonhar, gostar, amar, suspirar, respirar, viver.

A vida é um contínuo deixar.



terça-feira, 3 de dezembro de 2024

ver perto ao longe

Estar fora é estar dentro. É ver longe, mas perto. É ver o todo em vez das partes. É ver-te emoldurado no real, numa casa feliz, com mãos na porta e pés na laje. 

Eu, objeto invisível no meio da rua, passo pela tua casa. Parar ou seguir é indiferente. Tu não me vês. Ninguém me vê. E os meus gestos inúteis são espectros irresolúveis, pois nada possuo.

Como posso querer eu dar tudo sem nada possuir?
Como podem querer as minhas mãos vazias agarrar as tuas mãos cheias?

Ah, insatisfação poética, como me matas!

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

nefelibata

tu que escreves sem sentir,
tu que escreves sem sorrir,
o que fazes 
    AQUI?

Escrever é sobreviver
à taciturnidade.
Se não sabes morrer,
não sabes viver.
Saber viver é saber
    m
    o
    r
    r
    e
    r

Senta-te e olha,
repara,
aquieta-te no silêncio,
pois é só aí
que te encontras
e que escutas 
[dentro de ti] 
o que é:
    verdade     e     mentira.   

Só assim é que vais respirar
    fundo
e tocar nas nuvens,
onde a tua essência 
    p a i r a
sem desaire,
pura e cálida,
como o primeiro
    sOl 
de inverno.

sábado, 30 de novembro de 2024

ser ego

Somos tão hipócritas quando achamos que nos interessamos por algo ou alguém. Tudo é falso. Tudo é ilusório. Tudo é egóico. 

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

casa no ar

Elas doíam-me, as estrelas,
como se tivera casa no ar.
Eugénio de Andrade


A nossa casa não tem: laje, porta, chão, telhado.
A nossa casa tem: paredes nuvens, onde aos encontrões nos encontramos e, talvez, sonhamos.
A nossa casa é uma casa no ar.
A nossa casa não é uma casa.
A nossa casa não é nossa. É apenas minha.