domingo, 16 de novembro de 2025

"planta-poema"

Por vezes o "mero beijo" instiga o imanar profundo do olhar. O ultrapassar os limites aquosos que os olhos semicerrados difundem, quando o brilho emanado nos estimula o ritmo cardíaco.



Dias de tempestade:
manhãs de fotossíntese relampejada,
tardes de rega saraivada,
noites de descanso ventoso.

Dias de assistolia:
condições favoráveis
para o nascimento das camélias
que irei segurar no dia do meu casamento.


domingo, 2 de novembro de 2025

desmaio interno

Vozes críticas e amargas gritam até ficar surda. Rostos enfurecidos e violentos gesticulam até ficar cega. A garganta aperta e emudece. Perco todos os sentidos reais e imaginários, desequilibro-me e caio no chão. O corpo pesado afunda-se lentamente na terra, e molda a sua própria cova. Sete palmos de húmus jaz cobrem o meu inútil corpo que um dia ansiou ser etéreo e poético, e que um dia acreditou poder amar mais e melhor.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

eclipse solar do sentimento lunar

[...] Nada, nem a imaginação pode ainda 
continuar a iludir-me, elfo enganador.
John Keats



Ontem,
apagaste
o sol
e o sentimento.

Hoje,
acendo
a lua
e o momento,
mas o breu do dia
e a afonia das aves
toldam(-me) o sentir.

Agora,
tudo é baço e silente;
tudo é memória
roída pela displicência
dos teus dentes afiados.

Amanhã,
a única incandescência possível
será a tua ausência
desde cedo anunciada.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

palavras cortadas

gesto samurai
eficaz e mordaz
direto à garganta

maça de Adão
intacta e putrefacta
triturada por Eva

açude mudo
movediço e postiço
impedimento para a sílaba líquida

o corte da palavra 
poética
é mais que cesura
é censura
do coração
inação das mãos
des-ligamento da pele

sábado, 25 de outubro de 2025

matização do sentir

O Outono é a altura das folhas caídas. Húmus matizado num manto de natureza morta, porém mais viva e verdadeira do que a ludibriosa e poética Primavera.

domingo, 19 de outubro de 2025

Dia D

Domingo serei feliz
Álvaro de Campos

Domingo:
Dia para fugir à complexidade 
Dia para dormir sobre os dilemas
Dia para observar o quotidiano útil e familiar
Dia para apreciar o vazio da existência confortável
Dia para procrastinar sobre o cinzentismo das emoções
Dia para fitar uma parede branca sem nada sentirmos

Dia para ser uma tartaruga de carapaça musgosa e de andar lento