sábado, 26 de abril de 2025

uma menina do futuro visita uma menina do passado

Uma menina vinda do futuro presente visita uma menina que ficou no passado infantil. 

Ela encontra-se no recreio, sentada no chão alcatroado, em roda com amigos e amigas, com vestes de adolescente, e de cabisbaixo. A menina do futuro aproxima-se e chama-a. Ela olha-a, reconhecendo-a estranhamente. Tinham o mesmo nome. Sussurra-lhe palavras desconhecidas e inexistentes; palavras que ainda não aprendera. Ela não responde. Fica petrificada como uma pedra que se lamenta, mas ainda sem saber o que é o lamento, nem como se lamenta. A menina do futuro comove-se, afaga-lhe o queixo, e vai para a aula no seu lugar. 

Entra no Bloco A. Cheira-lhe a nostalgia. Perdida nas baças memórias, tenta perceber qual é a turma e a sala. Pergunta a uma das funcionárias. A sala era no piso principal (zero), e a aula era EVT. Empurra a porta entreaberta com receio, e senta-se com timidez. Dada a sua idade adulta, o professor pergunta-lhe quem é e o que faz ali. Os colegas olham-na em silêncio e com desdém. No entanto, a aula continua e a menina do futuro encontra-se no lugar da menina do passado. 

Assim, a menina do passado e a menina do futuro estavam em sítios diferentes, mas num lugar de solidão igual. O abandono familiar tirou-lhes tudo, inclusive a voz própria. E não há tempo nem sujeito verbais que as curem.

Este encontro onírico entre duas meninas é um encontro belo e melancólico. Belo pela estética revivalista e pueril. Melancólico pelo "mundo interno" vazio e estéril. No fundo, a menina do futuro já devia ser uma mulher, com M grande, pois só as Mulheres assim podem amar e ser amadas devidamente.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

infortúnio

Futuro negado três vezes,
porque insisto?

(
                                            )

Talvez precise 
que os teus olhos
gritem: 
ODEIO-TE!

Só assim perceberei:
o único mundo a extinguir 
é aquele que nunca existiu
                                           — o ‘nosso’.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

o coração não sabe pensar

O coração não sabe pensar. 
Só sabe palpitar
                    dprssa
ou 
                    d   e   v   a   g   a   r

Só sabe -sentir-sentir-sentir-
em rOdOpiO ou eSpiral
como um pião 
tosco e desgovernado.

O coração pensa que é são,
mas como não sabe nem pensa,
tudo é em vão.

Oh coração! 
Divino Santo Graal!
Tu és vinho e pão
para as bocas miseráveis
dos românticos incuráveis.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

amor-dor

As lágrimas não narram o desejo de morrer, 
mas a nossa sede de vida.
José Tolentino Mendonça


Duvido dos corações que não choram, que não gritam, e que não sangram, pois esses não sabem o que é realmente amar. Duvido dos corações que não se partem, pois só assim é que se conhece o verdadeiro sentido do amor.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

tripla interrogativa

Para que se vai, se não se está?
Para que se faz, se não se é?
Para que se quer, se não se tem?

Ah... como é tão inútil interrogar a (ir)realidade.

Haiku de meses

duas metades 
da laranja
uma para o dia
outra para a noite

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Haiku de ontem

SOLidão apagada:
ser tudo
mas ser nada.

(ou ser a última sessão de cinema,
onde ele só assiste por pena)