terça-feira, 11 de março de 2025

fogo diminuto

É deprimente aceder ao fogo. 
Atear uma fogueira apagada. Provocar incêndios proibidos. Ver labaredas pequenas e receosas. 

É tão deprimente ver fogo que não arde e não vira queimada. 

sexta-feira, 7 de março de 2025

a chama que chama

É preciso arder. E não só nos versos.
Eugénio de Andrade


Assola-me ver a chama da paixão de frente. 
Uma força repentina e imperativa que me arrasta para o paraíso, e logo, para o inferno. 
Uma luz cega que só me deixa ver como as mãos. 
Um calor intenso que me torna incandescente.

Depois do incêndio, eu, carbonizada, escrevo o teu nome no chão da lareira, na esperança que o ouças e tragas mais lenha. Na verdade, os dias sem ti são dias de inverno permanente e rigoroso. A casa treme tanto de frio que quase parece um terramoto. Está tudo a desabar, mas os alicerces do desejo mantêm-se cada vez mais fortes e robustos. No entanto, como sobreviver dentro de uma casa abandonada, ainda em construção? Onde estão as instruções para uma casa pré-fabricada? 


O atropelamento das respostas pelas perguntas excede-me e anula-se, configurando o momento, onde reconheço a inutilidade das minhas equações e elucubrações; e onde reconheço ainda a barbaridade das minhas perguntas, pois não existem respostas. 

    Mesmo assim, atrevo-me a perguntar: 
    O que é afinal a chama da paixão?
    Se é fugaz, será ilusão?
    Se é obsessiva, será loucura?
    Se é verdadeira, será amor?
    . . .

Reação química ou não, o mandato é sempre o mesmo — a r d e r . 
E tem de arder até ao fim dos fins, onde tudo recomeça para ser de novo.

terça-feira, 4 de março de 2025

ver o sol da janela do quarto

Há uma intranquilidade no devir. 
O espaço entre o que é e o que não é torna-se vazio e inútil, quando o que pode vir a ser nunca se concretiza.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

palácio frondoso

rondo o teu palácio frondoso
como um cão vadio e raivoso
à espera dos restos
da tua ceia farta

com tanta fome e sarna
um dia, o cão
há-de desaparecer
e os latidos e grunhidos
nunca mais incomodarão
a tua intocável felicidade 

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Sempre que é domingo...

Sempre que é domingo e está sol, nasce em mim uma vontade irreprimível de divagar por jardins, parques, campos, montanhas ou praias, com os olhos fixos no céu azul, e com as mãos ocupadas pelas tuas, numa busca desenfreada, enquanto cantamos poesia. Como o voo é alto, só os pássaros nos veem e ouvem.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

novo amanhecer

Depois de uma longa noite escura, amanheci como um dia de verão no sul. 
Sol alto, grande, brilhante. Raios solares disparados como flechas de cupido. 

Olhei-me ao espelho e vi-me lúcida, luzidia e transparente. 
Acabara de (re)nascer. Desta vez, sem mãe nem pai. Sem ninguém à minha volta. Dei à luz a mim própria. Não chorei nem ri, sorri apenas. Fui mãe e filha ao mesmo tempo. 

Despretensiosamente sinto-me mãe natureza e quero-me tanto que até escrevi uma carta de amor com remetente e destinatário iguais 
- eu mesma.