quarta-feira, 26 de julho de 2023

Cenas do novo quotidiano

Quatro turistas, um telemóvel e quatro momentos fotográficos.

(quatro turistas chegam a uma praça)

Primeira cena: uma turista tira uma foto, a outros três turistas, a caminhar, de costas.
Segunda cena: a mesma turista tira outra foto, aos mesmos outros três turistas, agora parados, de frente.
Terceira cena: ainda a mesma turista decide tirar uma selfie, com os mesmos outros três turistas, todos juntos, parados, de frente.
Quarta cena: não descansada, ainda a mesma turista importuna outra turista para tirar uma 'última' foto, aos quatro turistas, todos juntos, parados, de frente. 
Quinta cena: ainda a mesma turista aproveita para posar, inclinando a cabeça, com um sorriso forçado, enquanto ostenta a sua mala (verdadeira ou falsa) da Louis Vuitton, colocando-a propositadamente à frente da perna direita.
Sexta cena: a turista importunada devolve o telemóvel à mesma turista que segue caminho, juntamente com os outros três turistas, com a cara enfiada no ecrã para ver e mostrar o que não viveu, continuando assim a não viver.

Estas cenas demoraram menos de cinco minutos, mas deixaram-me a pensar horas. 
Como é possível existir tanta alienação? (no pior sentido da palavra)
Como e para onde caminharemos assim? (de cabisbaixo e vidrados em ecrãs)

A vivência do fugaz per se via uma linguagem tecnológica desumaniza-nos. Torna-nos estranhos, ridículos, perdidos e vazios. Retira-nos o espírito crítico, a criatividade e a identidade. Impele-nos a uma vivência irreal e infeliz.

De repente, senti um calafrio. Refleti e percebi que estava diante do sensacionismo de Álvaro de Campos, em plena distorção/destruição: "Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!".

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