quarta-feira, 28 de agosto de 2024

o rosto

Gosto de olhar o teu rosto no silêncio da noite. Deitados sobre o manto lunar que cobre a ria, escuto a música de dois corações aflitos, mas em harmonia. Na tua face direita encontro uma via láctea irregular e infinita, onde me perco e 
                                        me perco e 
                                                        me perco para, por fim, me encontrar.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

a nossa casa

Os telhados das casas pousam sobre o vale como se fossem fardos de palha velhos e cansados. Porém, expectantes que o sol queime o marrom desbotado, e que a chuva refresque, em salpico ou torrente.

A corrosão da matéria é uma fatalidade. 
Antes que a casa caia, coloquemos as nossas mãos na porta e os nossos pés na laje.

Um dia, as casas, onde amamos, serão só restos de trave oca e podre, cujas marcas só demonstrarão as rugas das quatro estações e não dos sorrisos.



domingo, 25 de agosto de 2024

flor de lótus com caule de árvore

Existem pessoas que só se revelam em determinados tempos e espaços. É como se a sua essência precisasse de outra, ambas niveladas pelo horizonte do olhar, para florir em lótus. As quatro mãos que acariciam essa flor são mãos de árvore. Cheiram a resina e constroem navios com proas arrojadas.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

a dança dos moliceiros

As águas calmas da ria segredam(-me) que está tudo no seu devido lugar. 
As águas da ria são o (meu) bálsamo para aceitar o inaceitável.

(entretanto)

Por instantes,
fito o horizonte e vejo dois moliceiros. 

Como brincam estes dois moliceiros...

As suas velas destemidas enchem-se de coragem para velejar por águas desconhecidas. 

Inebriada pela dança dos moliceiros, espero pacientemente por ventos futuros, que os mantenham lado a lado num tango inesperado, apaixonado e eterno.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

poesia da lua cheia

estrela cadente
rasgas os meus cabelos
como a lua
rasga as águas calmas da ria

cometa meteórico
despenhas nos meus lábios
como o asteróide
despenha na cratera de um vulcão em erupção

supernova cósmica
explodes no meu corpo celeste
como a aurora boreal
explode no buraco negro

lua cheia
repousas no canto do olhar dele
como a ursa maior
repousa no céu noturno

uma ilha cheia de ti

Deitada,
de olhos fechados,
ouço o barulho do mar
e viajo até ao mais longínquo.

Por entre mares e oceanos,
navego
e naufrago
numa ilha com o teu nome.

Ilha do sol da meia-noite,
onde só existe
                        o desejo voraz de te consumir 
                        e
                        o desejo primitivo de te cuidar.

praia introspectiva

Quer dizer, então, que... O mundo inteiro é a metáfora para outra coisa qualquer?
 O Carteiro de Pablo Neruda


De que me interessa uma praia cheia de sol? Abarrotada de gente, escancarada à beira da estrada... Sem neblinas da maresia que cantam os mistérios do mar. Sem um recolhimento que lhe é próprio e devido. 

De que me importa uma praia às claras? Sem nevoeiros, dissipados pelo ofício de pensar. Sem discernimentos que mergulhem até recifes de corais. 

Como (sobre)viveria eu sem a hiperestesia das metáforas?

domingo, 18 de agosto de 2024

dunas

Dunas... 
                areia de vento, mar de areia, com formas labirínticas, tetricamente sobrepostas.
               
                leito dos tímidos amantes, onde as mãos se perdem e encontram em tórridos abraços.
                
                fina camada de veludo áureo que envolve as almas gémeas.
                
                lugar desértico, onde a sede de sol e lua é uma constante não variável.
                
                "doze girassóis numa jarra" de Van Gogh, onde o calor da aurora é plantado até ao crepúsculo,   

com aromas de selva e rosa. 

sábado, 17 de agosto de 2024

Chega de música, chega de poesia, chega de horóscopos. Já que caminhamos para o abismo, então que caiamos no precipício já!

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Túnel do Marão

 Porque o homem é um ser condenado ao sonho por todo o tempo da sua vida.
Teixeira de Pascoaes

Gosto de percorrer túneis, porque a luz no fundo, dá-me sempre a sensação real de uma esperança que se materializa, quilómetro por segundo, diante do meu corpo metafórico.


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

“por mais solar que seja o coração”

voa coração.
ou então arde.
Eugénio de Andrade

Meu amor,
vamos ficar juntos?

Perdoa-me chamar-te já de meu amor.
Perdoa-me perguntar-te já algo tão inquisitório.

Perdoa tudo ou nada.
Perdoa a lúcida loucura.
Perdoa um coração sincero e desgovernado.

Meu amor,
vamos ser poesia solar até ao fim das nossas vidas?

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

(...)

Mesmo quando o sol não brilha, como deveria, fecho os olhos e sinto a brisa do vento... Sorrio, pois esta será a carícia que me sussurra, com o seu leve e breve toque, que está tudo bem.

domingo, 11 de agosto de 2024

fogo existencial

En Arder hai unha historia de amor nun escenario húmido e arriscado.
Arder é habitar o corpo.
En Arder ningunha utopía de autorregulación do capital controla as posibilidades de quererse.
Marga Tojo


Há um fogo existencial, dentro do meu peito, antes desconhecido, que cresce em mim. Estado permanente de incandescência, afogueamento ou rubor vivo. Brasa, chama, labareda, fogueira, incêndio, de combustão imediata e lenta; inextinguível. 

Arder sem apagar é uma Arte oculta e exclusiva, concedida por Deuses e Deusas, a quem se atreve a nascer e renascer, a cada dia, a cada noite.

sábado, 10 de agosto de 2024

o silêncio do mar

escuto
no silêncio da noite
a tua voz

contemplo 
no silêncio da noite
o teu olhar

sinto
no silêncio da noite
o teu respirar

há algo em ti de tocante que me emociona e me faz querer acariciar o pulsar do teu coração
sobressaltado
                     
                        no silêncio da noite
                        escuto-te
                        contemplo-te
                        sinto-te

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

baixa-mar

vêm umas atrás das outras
as ondas
enrolam-se
desenrolam-se
desfazem-se na areia morta e dourada

espuma branca
etérea
és o sonho das marés
és a ilusão do amor
que morre na praia
és a esperança 
que se derrama no areal
na ausência do teu abraço

a esperança sabe melhor no verão
os dias e as noites
são mais longos 
e têm mais luz


quarta-feira, 7 de agosto de 2024

entrelinhas celestiais

Nunca se escreve sobre o que não está escrito. Tudo está escrito. Tudo está dito. Não há mais nada para dizer a não ser sobre o que está escrito.

Que mania esta, quiçá prepotente, dos escritores escreverem sobre o que ainda não escreveram... 
Temos sempre a mania de alguma coisa que não é nossa e pensamos que a escrita resolve tudo.

A minha mania é escrever-te nas entrelinhas das minhas palavras toscas para te ter mais próximo de mim. A escrita pode não resolver tudo, mas a poesia salva.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

olhos céu, olhos vale

Hoje acordei com uma vontade louca de pegar na tua mão e levar-te a caminhar sobre o sol do vale. Baloiçar sobre a vertigem dos verdes, caminhar sobre o branco das nuvens e olhar o céu dos teus olhos.

céu largo, imenso, vasto, amplo, complexo, misterioso...
céu azul do profundo do fundo do mar
céu castanho escuro do núcleo mais interior da terra

Os teus olhos bíblicos - céu atmosférico, cósmico e espiritual - são os olhos de todos os vales. 
E criam em mim a infindável vontade de pegar na tua mão.